domingo, 30 de outubro de 2011

Rua Aitinga








Café e pão com manteiga,
Juntando farelo da toalha sobre a mesa.
Uma prosa escutando o apito da panela,
Como que anunciando: O almoço já chega!

Boteco e cerveja gelada,
Olhando a moça que passa,
De roupa colada e querendo sorrir,
Andando e desfilando, achando que não é nada...

Sentando na calçada, gente se juntando.
Todos se animando, escutando conversa fiada...
Futebol na rua com chinelo marcando o gol
Cão latindo, vizinha reclamando, samba tocando e o povo cantando...

Moram crianças e seus pais que foram filhos um dia.
Doutores, policiais, desempregados com seus cachorros e periquitos
Jogam futebol e volei, tocam viola e até saxofone...
Cresceram nesta rua em Inhaúma, num pacto de amizade e sabedoria.

Acabou o domingo, chegou o momento, é o fim do ditúrbio...
Garrafas recolhidas, cinzas na churrasqueira
Janelas sendo cerradas e comadres se despedindo,
Essa gente feliz! Nesta vida simples de subúrbio.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Tudo tem que ter explicação?



O que tudo isso tem a ver?
Moralidade dos justos, honestidades dos homens, a pureza de uma criança?
Somos homens desde quando? Desde nascimento ou no crescimento?
Quando se cria desgosto ve-se a realidade e nasce a esperança?

Sofremos na carne e na alma e como nos justificamos?
É uma sina, nós merecemos?
Fomos ruins, pecamos ou amamos?
Luxúria é pecado! Fomos ensinados...
Mas exemplos… não nos foram dados...
Mas quando se justifica pode!
Sexo com amor para eternecermos?

É uma doutrina institucionalizada?
É justo o que vimos e veremos?
Qual a razão de tudo isso?
O que querem que vejamos?

Trabalha-se para construir, acumular e gastar...
Ah... Realização, felicidade....
Posso ser feliz sem ter,
Mas não posso ser feliz sem trabalhar...
E quem me diz o que sou e o que devo fazer?
Ciência ou espiritualidade?
Conhecimento ou religião?

Não existe razão para ser do bem,
Nem punição para quem não o é...
O que faz-me suportar a realidade?
Essa indiferença que já é uma violência?
Quero entender, quero acreditar...
Numa justiça divina para a alma sem rumo?
No homem que mitifica?
No onipresente que nunca está presente?

Existe algo com certeza,
Um grilo falante no nosso ombro,
O id e o superego.
Uma energia, um brilho, um sopro...
Neste universo não tão infinito,
Mudando o tempo todo.

Existe Deus como símbolo,
Na cruz, nos santos e no seu filho...
Único ou vários
Nos templos, nas escritas e nos dogmas.

Deus está em cada um de nós,
Despojado e etéreo,
Que se faz presente sem ser notado,
Nas escolhas certas ou erradas e na bondade que praticamos,
Traçando o destino de cada um...
Está no Sol que brilha sem descanso e nas árvores que oferecem sombras.
Na vida e na morte, no amor e no ódio...
Até na graça do dinheiro encontrado,
No bolso do velho casaco,
Esquecido há tempos no fundo do armário...

domingo, 23 de outubro de 2011

Vestibular



Terminando o Colégio Objetivo, foram umas 10 provas feitas todas sem sucesso na capital, interior e até em sul de Minas. No ano seguinte, 1976, depois de mais um ano de cursinho no mesmo Objetivo, a 11a prova, desta vez o unificado do CESGRANRIO no Rio de Janeiro.
Saimos de Sampa num corcel, sem galope, emprestado do pai, minha irmã e um velho amigo, todos colegas de sala, cada um com seu sonho: prestar medicina... Precavido, dia anterior, conhecer os locais e o trajeto, logística naturalmente...
Hotel na Rio Branco, fomos escalados todos nas escolas da Zona Sul, no Jardim Botânico os dois e eu na Gávea. Íamos todos os dias pela paisagem relaxante do aterro, seguia depois de deixá-los ao lado do Hospital da Lagoa, para a praça do Flamengo e do Miguel Couto, local das minhas provas.
Sempre primeiro a sair, sem paciência, fazia o que sabia e chutava o resto, mas com muita crítica e responsabilidade, aplicando toda a técnica assimilada no cursinho. Aliás, é assim até hoje, destaca-se da maioria cursinhos exatamente nesse quesito, além de ensinar as matérias, orientações e dicas de como se comportar e pensar nas provas, aplicando técnicas de marketing, psicologia e neurolinguística. Para cravar um xis aleatóriamente, existem técnicas!
Foram quatro dias, até que tranquilos. Terminado antes, aguardava calmamente fazendo um lanche, um sanduíche de carne assada ou pernil, acompanhado de um chopp ou coca, num tradicional boteco na Rua Faro, ouvindo as discussões habituais após provas...
Retornando a São Paulo, ainda frequentando às aulas, mas com desconfiança. Desta vez fui melhor, tinham mais vagas... talvez quem sabe...
No dia aguardado, no jornaleiro VIP em plena Paulista, folheio O Globo e encontro o meu número, conferido e reconferido, em meio a tantos outros!! Sensação muito estranha, como poderia ser possível? Existia uma pressão habitual para aprovação, afinal esse é o primeiro gargalo da vida adulta de qualquer estudante. Preguiçoso e desmotivado, estudava somente o suficiente. Assumido o compromisso de prestar para medicina, conhecia a realidade... Afinal, nem era minha a escolha. Submissão à uma sabedoria materna que aconselhava e explanava como a vida seria mais valiosa sendo doutor...
E agora? Este fato aguardado mas inesperado... Não sou mais um fracassado! Será possível, assisitndo apenas com afinco às aulas-shows de Heródotos e Dráuzios foram suficientes? Foi a recompensa pelas noites sem jantar na pensão da Dona Leide? Foi um triunfo sem luta? Agora não importava mais...
Foi definitivo, assimilei o meu destino com uma outra motivação, superando a insegurança e dúvidas da minha própria capacidade, uma nova chance por um outro caminho...
Com ganho contabilizado, empenho dispensado, tranquilidade almejada. Mesmo assim, após 30 anos, sonho ainda com escolas, fazendo provas que não entendo, e ao acordar, percebo, não tão aliviado, de ter sido apenas mais um pesadelo que permanece como estampa, impregnada no meu subconsciente...

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Uma certa menina...




Seu sorriso amplo, vestido justo,
salto agulha e bolsa de grife.
Vem lenta, em minha direção,
olhando onde pisa, chamando a atenção...
Parece desatenta, 
olhar triste e pensativa.
Manda um sorriso, quebrando o gelo,
Até uma boa risada, espreme os olhos
e arruma os cabelos...
Cabelos longos,
arrumados ou soltos,
brilham na luz,
voam ao vento,
ofuscando os outros...
Sempre impecável, rosto maquiado,
lápis nos olhos e pele alva.
Figurino de acordo, cor da moda,
Sempre rodeada, pronta pra balada...
Segura e orgulhosa,
frágil na sua essência,
tem o poder e comanda,
é quando a menina é mulher,
poderia ser diferente mas não desanda...
Decidiu o que decidiu, foi o que aconteceu.
Sua companhia, melhor seria, 
despreocupada,
se mulher fosse também menina.
Seria muito mais simples,
mas é melhor assim, acredita ela,
Felicidade também pode ser sua sina...

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Dia das crianças, dia dos filhos...




Carol, Rafa e Maria...
Carolina menina decidida, já pequena era sabida.
Nasceu miúda, nos fitando atenta, atrás dos olhos escuros em seu macaquinho branco de listras azuis. Disparou a chorar e foram 3 meses sem parar.
Não tinha cabelos, cabecinha rotunda, sorriso largo estampado na cara redonda, bem como bocão quando berrava.
Não desgrudava da mãe, fazia do peito chupeta. Soube aproveitar, controlava a situação. Tias, avó a sua disposição, principalmente a Tia Dorinha...
Foi crescendo no meio da gente, falava igual adulto, certo que trocava algumas palavras: Xumiga, ventada, para de isso!!
Espirituosa, bem humorada e teimosa quando queria. Fez de mim um pai, cresci com ela, me ensinou a amá-la. Seu choro irritava, testava o nosso limite, mas depois cansada adormecia fazendo sentir pena.
Na escola ficar não queria: - Fica mais um pouquinho, só um pouquinho....
Desde cedo já sabia o que queria. Gostava de bicho, vai ser veterinária. Easy going, na escola se dava bem com todos, evoluiu com a turma.
Rafaela nasceu meio dia, veio que naturalmente, depois de quase três anos. Quando Carol soube disse que ia se chamar Rafaela. Foi bem recebida, bebê rechonchuda, agora com menos expectativa mas com maior alegria. Família logo se eterneceu, Tia Dorinha de costume muito carinhosa, parecia mãe, tia, irmã... Rafa retribuía o carinho, é afilhada da tia querida.
Carol queria cuidar, logo brincar, foram crescendo e até que brigar nem tanto. Chorona e manhosa, dificilmente sorria, sempre reclamava. Sempre atendida nos caprichos mas mesmo assim não ficava satisteira. Carol sem paciência, com ela implicava...
Na escola até que ficava... Também, com a Carolina, não haveria problema. A defendia da Marianinha que queria bater nela. Na cantina não falava nem para comprar lanche. Sempre Carol que resolvia.
Eu primeiro! Sempre gritavam pra entrar no carro ou na casa. Toda vez Carol perdia e reclamava: - Sempre eu tenho que deixar??
Cresceram na harmonia, faziam tudo juntas. Andavam igual cachorro, latindo e grunhindo, não importava se era na escola ou em casa. Cuidaram de cachorros, hamisters e tartarugas, seus brinquedos nos armários arrumavam. Bichos de pelúcia em centenas, todos batizados com nome de gente.
Independentes, escolhiam própiras roupas, tomavam banho sem ajuda. Só não levavam as toalhas.... até hoje.... Vinha o grito do banheiro: - Alguééém!!!
Rafaela sempre discreta, observadora, fala apenas o indispensável. Mau humorada e ranzinza, até que tolerante um certo ponto. Fragil e insegura algumas vezes, aprecia uma inércia, depressiva e questionadora, precisa de motivação e razão. Baladeira e fiel às amizades, decidida nos seus valores. Criativa e talentosa, é querida por todos que a conhecem bem. Nany e Raquel, BFFs, hoje encontram-se na bagunça, nas férias escolares, juntas com Carol, recordando saudosas, os tempos da escola Waldorf...
Amigas e cúmplices, agora têm a Maria. Veio muito depois, já adolescentes. No início não parecia ser uma boa ideia. Afinal quem quer tomar conta de irmazinha bebezinha chorona e chatinha?
Maria é ligada, aprende com facilidade, configura celular e TV, ensina a mãe a mexer. Na escola aprende tudo, mil atividades, escotismo, balé e agora quer tocar piano. Tem um jeito único, controla a gente, é insistente. Presta atenção quando quer, distraída assistindo TV. Tem senso de humor apurado, sabe cativar as pessoas. É meio neta e filha, já que veio do fundo do tacho, É carinhosa, diferente das outras, gosta de beijar e abraçar, é grudenta e amorosa, um novo momento de ser um pai de um outro modo.
Agora, três filhas muito diferentes e preciosas, Carol e Rafa com maturidade, carinhosas com a caçula, Maria faz-no ter motivos, centro de tudo, é o que importa. São únicas, cada uma a sua maneira, ocupando seus espaços, completando a vida da famíla...


segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Beleza se põe à mesa



Há alguns séculos as mulheres se sentiam lindas e seguras, somente pelo vestuário usado, cabelos arrumados e até pela pinta postiça na era Luiz XV. Certamente por baixo das roupas, onde poderia se esconder tudo, revelava-se sem medo, sob luzes de um candelabro a mercê dos tatos do senhor feudal.
Num mundo moderno, pré-feminismo, bom comportamento e ser uma boa mãe bastavam para uma vida plena de realizações. Cuidar de si não estava nos planos...
Queimaram-se sutiãs, adotaram-se calças compridas. Trabalho e casa, independência relativa, mais do que nunca tempo de afirmação. Roupas, sapatos, maquiagens... Moda acessível prêt-à-porter, cuidado com a saúde, atividades físicas, um novo momento.
Agora, com a velocidade multimídia, onde ontem já é passado remoto, a sociedade vive valores descartáveis. 
O figurino impecavelmente na moda, acessórios condizentes, todos de grife, muitas vezes exclusivos. É preciso apresentar-se bem. Não basta ter projeção profissional, usar toga, comandar equipes, ou ter estrelas nos ombros...
Já na adolescência almejam engajamento, adotam padrões de consumo e comportamento, compensando a total falta de individualidade, afim de serem aceitas no seu nicho.
... E ter 30 anos já é handcap. Buscar a perfeição, artifícios imprescindíveis. Na compulsão de manterem-se jovens, práticas cosmiátricas fazem-se cada vez mais necessárias. Procedimentos de mise-en-scéne, milhares de produtos criados e lançados a cada segundo, suprindo uma demanda reprimida.
Aplica-se um, retira-se com outro, deixa-se meia hora...
Ácidos de frutas tropicais acondicionados em águas termais das montanhas alpinas; óleos de sementes de exemplares das ilhas da Polinésia; cápsulas de proteínas de algas marinhas dos mares do norte, produtos que vão e que vem, na velocidade dos anúncios de Polishop...
Na ditadura da beleza, mulheres escravizadas nessa prisão psíquica, buscam o limiar inatingível de beleza imposta pela mídia, corroendo a autoestima, levando a frustração infinda.
Chegando a maturidade, burlam a própria imagem e negam a biologia. Acreditam que ainda vale a pena e esperam reconhecimento. Têm um pouco de dúvidas mas não lhes resta muito, há que seguir o curso. 
A realidade imparcial é cruel, imposta pelo implacável tempo.